terça-feira, 6 de abril de 2010

O Patrimonialismo de Arruda - "mais do mesmo"















Arruda - da linhagem dos "Donos do Poder".

Publicado ontem, dia 05/04/2010, artigo de lavra do Ilmo. Dr. Manoel Moacir, do programa de Mestrado em Direito Internacional Econômico e Tributário, da Universidade Católica de Brasília, querido professor e incentivador meu, sobre os acontecimentos envolvendo o Governo Arruda no Distrito Federal.


Longe de parecer uma novidade, creio que as raízes patrimonialistas deste governo remetem às raízes da própria história política brasileira, tão bem retratada por Raimundo Faoro, na clássica obra "Os Donos do Poder".


O artigo do Dr. Manoel Moacir mostra, numa linguagem simples e acessível, mas, nem por isso, com menos profundidade e seriedade, a real face desse tipo do política, que insiste em existir em pleno século XXI.


Com fulcro nas palavras do Professor, acredito que não devemos, sobremaneira, ser pessimistas, ou nos colocarmos na posição de vítima do sistema, mas sim, abrir nossos olhos e nos posicionarmos quanto aos rumos da política brasileira, mormente num ano de eleições.


Se queremos que o Brasil mude, assumar posições no cenário internacional, se fortaleça economicamente e cresça socialmente, devemos repugnar qualquer tipo de amarra a essa cultura patrimonialista, a esse ranço que vem desde os primórdios da sociedade brasileira.


Aconselho a todos a leitura de "Anomia na Corte", de Manoel Moacir Macedo, publicado no periódico Correio Brasiliense, de 05/04/2010, pp., que, autorizado pelo autor, segue aqui reproduzido.

"As tranformações sociais não ocorrem no vácuo social nem sob o imperativo da individualidade. São construídas no rastro da história e nas realidades complexas, sujeitas às contradições coletivas, políticas, econômicas, históricas, étnicas, culturais e geográficas, entre outras. São estruturas abertas e sensíveis às pressões e aos interesses do meio social.

Esses são os sentidos desse momento histórico de Brasília, capital do Brasil - um distrito federal parido no interior de Goiás. Aqui estão instalados os poderes da nação: Executivo, Legislativo e Judiciário e as representações internacionais da diplomacia e da globalização - expressões vivas e reais do controle social. Destaque para o Estado com seus deveres, direitos e privilégios, a exemplo do comando de dois terços dos recursos públicos indutores do esperado desenvolvimento nacional, fonte de apetites desvairados. Aqui está situada a Corte brasileira, onde as pessoas sonham, pensam, amam, trabalham, pressionam, odeiam, consomem e acumulam bens e valores. Nela também estão as referências do modo de produzir e de viver, difíceis de ser identificadas e mensuradas em equações formais e simplificadas.

Esses condicionantes definem o padrão de nossa vida na Corte. Nada de diferente das Cortes das nações subdesenvolvidas, em que predominam o patrimonialismo, isto é, a confusão consentida entre o público e o privado. A Corte Portuguesa, instalada no Rio de Janeiro, no século 19, definiu o padrão ético da Corte em Brasília, em pleno século 21. Reis, rainhas, príncipes e agregados eram as representações da desiguais classes sociais, estratificadas entre os nobres e os escravos,. A residência oficial da realeza, o Palácio da Quinta da Boa Vista, foi oferecida por um abastado comerciante, um cruel traficante de escravos. Comendas reais eram negociadas em troca de bens e serviços dos influentes e serviçais do reino. Não existia o estado democrático de direito. O poder era determinado pelo interesse monocrático do rei. Desigualdade social, escravidão, opulência, opressão, doenças, tráfico de influências e corrupção definiam o padrão da Corte Portuguesa.

Duzentos e dez anos se passaram, a Corte se deslocou para Brasília, mas os interesses continuaram privados e incompatíveis com o determinismo histórico da mudança social e da civilidade. Persiste a mesma confusão consentida entre o público e privado. Impera a corrupção nos poderes, antes imperial e autoritário; hoje republicano e democrático. Predomina a lógica reconstruída das formas de apropriação das estruturas estatais, na busca incessante dos privilégios públicos, do lucro fácil e da corrupção dos valores e práticas, distantes da realidade do povo, maiorias sociais, que trabalham e produzem no Brasil real.

As exigências das novas formas de extração dos recursos públicos na Corte em Brasília, o Brasil oficial, do consumo e da burocracia, seguem o padrão peculiar de cada época. Antes existia a exploração escravocata, como ferramenta do modo de produção, e a exaustão exploratória das riquezas naturais, os principais produtos de exportação. Hoje imperam as mesmas apropriações, diferenciadas pelas virtudes tecnológicas da velocidade e da virtualidade, encasteladas de modo criminoso na superestrutura da sociedade, acumulando os mesmos recursos públicos e mantendo os similares mecanismos de controle social de forma voraz e impune.

Predomina na atual Corte estabelecida em Brasília visível anomia, ou seja, a inexistência de coesão social que mantém as relações sociais em operatividade consoante as exigências da modernidade e da civilização. Desconhecem-se lideranças virtuosas e capazes de comandar os destinos republicanos. Os poderes formais da sociedade encontram-se intoxicados pelo vírus endêmico e secular da corrupção e da crença na impunidade e na morosidade da Justiça. Um escândalo somente será ofuscado pelo próximo, jamais pela punição exemplar dos culpados. Não se exteriorizam os movimentos da cidadania, a exemplo da indignação democrática contra os desvios de conduta evidenciados de forma clara e precisa no interior do Estado, ao vivo e em cores, sem nenhuma dificuldade de identificação dos autores e dos delitos. Pessoas de bem, cidadãos de boa fé e utópicos da mudança social recolhem-se silenciosos a admirar mais uma passagem entre as Corte de ontem e de hoje, lastreada em nova matriz, balizada nos valores objetivos da sustentabilidade, da dignidade, da decência, da moral, da punição dos criminosos e do repúdio ao consentido patrimonialismo do público pelo privado."